A minha avó diz-me sempre que vou à praia “tem cuidado com o mar, porque ele é traiçoeiro.”
Eu tive cuidado, não desviei os olhos nem mesmo as mãos, nem tão pouco a atenção, por um segundo que fosse… Ainda assim por vários segundos tive de lutar contra o mar para que não vos engolisse.
Eu tive cuidado, eu estava atenta, porque nunca me esqueço das palavras da bisavó e agora sei que “o mar é traiçoeiro!”
A bandeira estava verde e eu estava entre vocês e o mar… de costas para o mar… de frente para vocês. Vocês riam (entre vocês e para mim) e eu dizia-vos repetidamente e todas as vezes que se entusiasmavam a brincar… “cheguem-se para trás, não vos quero dentro de água.”
O mar puxava com tanta força, sentia os meus pés enterrados na areia e as pedras e conchas a arranharem as pernas e o teu braço devarinho a soltar-se.
A bandeira era verde, nem sequer estávamos dentro de água, estávamos simplesmente à beira, depois da zona de rebentamento… e a bandeira, a bandeira essa era verde. E sem que nada fizesse esperar (e porque o mar é traiçoeiro) veio uma onda maior (não era grande mas era forte) e essa onda atirou-vos para o chão e começou a enrolar-vos.
Consegui agarrar-vos pelos braços, segurei com todas as minhas forças, consciente de que não vos podia largar. Olhei para ti Noah e tinhas o braço todo torcido e só me lembro de pensar que “mais vale partir o braço do que deixá-lo ir…” E nesse instante sinto o teu braço Liam a escorregar-me pela mão. O mar puxava com tanta força, sentia os meus pés enterrados na areia e as pedras e conchas a arranharem as pernas e o teu braço devarinho a soltar-se. Apertei com toda a minha força, não gritei , acho que inconscientemente sabia que precisava de me concentrar apenas em vos agarrar. Precisava de aguentar mais uns segundos, o suficiente para a onda recuar…só mais um bocadinho… um eterno bocadinho.
Nesse instante os meus olhos cruzaram-se com os de uma mãe no areal que quando se apercebeu do que se estava a passar correu para te agarrar Noah. O vosso pai estava com a Anoek e veio a correr… Ficou com o Liam.
Vocês estavam muito assustados, eu também… e tinha uma vontade imensa de chorar… mas para não vos assustar ainda mais, contive-me. O teu chapéu Noah tinha sido levado pela onda e aparecia e desaparecia ritmicamente à superfície da água, ao longo da corrente. Apanhei-o a uns 30 metros do local onde estávamos.
A hora seguinte passei-a contigo ao meu colo Noah. Estavas assustado, abraçado a mim sem querer largar e repetias com a tua voz doce e pequenina “tenho medo”. Ficámos sentados à beira mar, longe o suficiente para não teres medo e perto o suficiente para não ficares com medo do mar.
No final da manhã todos brincávamos como se nada tivesse acontecido… mas eu não me esqueci que a bandeira estava verde e que o mar é traiçoeiro.
Este foi um bom dia, mas podia muito bem não ter sido.
Por isso, quando um dia eu vos disser que o mar é traiçoeiro, vou contar-vos que a bandeira estava verde e que eu tive cuidado…